sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Yoga para crianças grandes!

Os Puranas são coletâneas de antigos contos indianos. Há muitos Puranas, todos importantes e um deles foi perdido, encontrado há pouco tempo, com contos incríveis. Este Purana é conhecido como Cíntia Purana!

A Cíntia é uma amiga amada, pessoa especial, talentosa, ética e sensível e que estará nos ensinando muito sobre Yoga em breve. Ela nos enviou este conto instrutivo e muito divertido e eu decidi ilustrá-lo para que todas as crianças, adultas ou não possam conhecer melhor os personagens. Boa leitura!

Prof. Fabio Goulart

LUA, AGÜINHA, ETC



Numa época em que o mundo era controlado diretamente pelos Deuses, eles ainda podiam ser vistos andando por entre as florestas, banhando-se nos rios e cachoeiras, divertindo-se nas ondas dos mares, riscando os céus desenhando fachos de luz, e também nos agraciando com sua presença em caminhos comuns, estes por onde também passavam os mortais.

A vida andava sem pressa. A água era cristalina, de um sabor que se perdeu na história. Não havia carro, não havia a necessidade de correria. A não ser, claro, para salvar a vida de alguém. Mas aí, os Deuses davam um jeitinho.

Nestes tempos, em todos os lugares do mundo, a paz reinava. Havia ouro em abundância e as florestas revelavam segredos até ao mais desatento dos humanos. Enfim, harmonia, paz e prosperidade eram os ingredientes principais desta época e os Deuses nem tinham muito que fazer. Ah, sim, passavam horas, dias, meses meditando e ao mesmo tempo controlando o universo (coisas de Deuses mesmo, né). E para realizar esta façanha de meditar e controlar ao mesmo tempo, utilizavam-se de uma técnica vedada apenas às divindades. Não raro, podia-se encontrar algum ser divino meditando e foi numa dessas vezes que passava tranquilamente por uma floresta, uma moradora local.

O sol jorrava seus últimos raios, a noite estava chegando, quando ela se deparou com uma divindade muito conhecida, em sua habitual meditação. Ao ver tal cena, interrompeu sua caminhada. Este Deus estava sentado de costas para ela, de modo que não podia vê-la. Assim ela pensou que Ele não a estava vendo, se esquecendo de que estava diante de um Deus, que ainda por cima tem um terceiro olho, que nunca se fecha, ou seja, “está sempre com um olho no padre e outro na missa” (se bem que nem existia padre nesta época). Mas enfim, lá estava a cena, e a garota pensou: “ mas que tranqüilidade esta meditação. Também com aquela aguinha caindo eternamente em seu rosto, até eu medito num calorão deste. É muita injustiça, enquanto eu tenho que ficar catando água por aí, Ele tem sua própria fonte” - Resmungava a garota - “Assim até eu ! Enquanto eu me dano toda para atravessar esta floresta no breu da noite, Ele tem sua própria luz, com aquela lua agarrada na testa. Fora os presentes que recebe o ano todo das pessoas ! Engraçado, faz aniversário todo dia ! Onde já se viu ? “

E nesse clima de insatisfação, a pobre garota foi invadida por pensamentos e julgamentos, se achando a mais injustiçada daquele vilarejo. Devia estar num dia ruim, na tpm ( isso também não existia). Lá com suas lamúrias, nem percebeu o tempo passando, já estava sentada há horas, quieta, apenas admirando aquela divindade e nem se deu conta que sua mente já havia se acalmado, ao ponto de se esquecer do local que estava, das preocupações, da fome, da sede ! Seu estado meditativo havia se consolidado ali. Mas de repente saiu desse estado, voltando aos pensamentos habituais, a injustiçada, esquecida naquele fim de mundo, pirirí, pororó. E, num deslize de caráter, pensou: “ Ele nem está me vendo, e olha só !!! Hoje deixou aquele garfo grande solto, ali atrás !!! Imagina quanto isso não vai me render lá no mercado da praça ? Ouro puro, menina ! Fora o valor endeusado da coisa. 

E foi isso que a danada da garota fez. Passou a mão no objeto divino, mas antes jogou, às pressas, uma flor aos pés da divindade, como querendo amenizar aquele ato profano. Ao sair correndo sentiu que algo havia molhado seu braço. Aí que correu mais ainda, porque achou que a divindade tinha se virado e descoberto tudo. Pensou: “ Xiiiiiiii, aquela agüinha divina me tocou, Ele me viu !!! Mas que estranho, por outro lado, estou me sentindo tão bem, tão renovada ! Mas... como pode ? Se eu roubei dele um pertence tão importante, e mesmo assim Ele me faz um bem” . Continuou ela, intrigada: “Que coisa horrível, que feio. Inconfessável o que eu fiz !!! “ (até mesmo porque não haviam padres nesta época). Neste instante pensou em devolver o objeto, na tentativa de reverter toda aquela situação vergonhosa de si. Entretanto disse “onde encontrar um Deus que está lá e cá a todo instante ? “.

Nos dias que se seguiram bem que procurou, mas não encontrou a tal divindade. Daí pensou que aquilo não era por acaso, que tudo tem um propósito, uma causa maior estava por traz de tudo... [pensamentos muito nobres, de repente, não ?].

Não é que a praga da garota resolveu fazer uso daquele ilustre objeto ! Rodava as florestas empunhando-o com orgulho, meditava se achando uma divindade, percorria as vielas daquele vilarejo. Aproveitou ! Só que num dado momento, percebeu que uma multidão a seguia, implorando por toda sorte de pedidos, porque na cabeça do povo, quem detém um objeto daquele tipo tão nobre, tão caro e tão raro, só pode ser alguém que veio do Céu, portanto uma divindade. A garota se deu conta de que estava sendo vista como uma enviada do Céu. E, claro, adorou, ganhou até presentes, que lhe eram ofertados á seus pés. Se sentiu !

Porém, quando começou a prestar atenção aos pedidos daquele povo, viu que seria tarefa impossível de realizá-los. Bateu-lhe uma dor de cabeça, que mal conseguia abrir os olhos, e com muito custo se desvencilhou daquilo tudo e foi refugiar-se na sua cama, na tranqüilidade do seu lar. A última coisa que fez antes de deitar-se foi esconder o tridente.

Estava quase adormecendo quando sentiu umas gotinhas de água refrescar sua testa, cessando por completo a dor de cabeça. Levou um baita susto, pensando: “Epa !!! eu conheço essa aguinha !” Deu um pulo da cama, mas na pressa deu com a cabeça numa quina, bateu com o joelho numa mesinha, ganhou uma maldita câimbra na boca do estômago, e ali ficou paralisada, no chão, de quatro (e a cãibra firme e forte lá). Foi assim que ela teve a honra de receber em sua casa o moço do tridente (fala direito. É um Deus, caramba !) Quer dizer... a honra de receber o Sr... ah, sim ! Shiva !!!

É, é este o nome dessa divindade. Mas claro que toda esta confusão não abalou a postura do Deus em questão. Lá estava Shiva, imponente, sereno e poderoso (como aquele ásana que todo mundo tenta imitar até hoje e não consegue [ Bhujangatarsitasana]. O semblante pacífico, mas sempre no controle. Belo, iluminado e luminoso ! Mas ainda sem o seu trishula.

Imediatamente a garota deu um jeito de se desencralacar daquele seu câibrasana. Refeita do susto, pode ajoelhar-se diante da divindade-visita-inesperada, e assim, acabar-se em lágrimas de emoção e vergonha, claro.

Chorou, chorou, chorou. Suas lágrimas tocaram os pés de Shiva, onde Ele pode sentir que tudo estava sendo explicado (e encharcado), sem que a garota precisasse dizer uma só palavra. Coisas dessas cenas mágicas que só ocorrem na presença dos nossos queridos Deuses. Poderíamos aqui mencionar aquela cena do oceano causal, que fulano ficou boiando num barquinho feito de serpentes, etc, etc, etc. Mas a história precisa ter um fim.

As lágrimas da garota cessaram e ela, prontamente, foi pegar o trishula para devolver a seu dono. Envergonhada, ela pediu desculpas e também agradeceu por tudo. Ao que o Sr. Shiva lhe diz:

“ Seus minutos de fama foram bem conturbados e difíceis, hein ? Mas... obrigado por ter cuidado com meu trishula e digo-lhe que, as tarefas dos Deuses são fáceis para os Deuses. Porém, impossível para os mortais. Cada um carrega o peso que lhe é devido, sem um grama a mais. E... você se esqueceu de que enquanto eu medito, vejo tudo o que está acontecendo, minha filha ? “ E a garota – Então, quer dizer que o Senhor me viu pegando o trishula ? . E Shiva: “Sim, óbvio” . “Que vergonha !!!”, diz a garota.

E Shiva arremata: “ A quanto tempo você não se desliga do exterior ? A quanto tempo você não dá férias para sua mente ? Se queres se sentir como uma divindade, então dedica um tempo para fazer como eu faço, que é meditar, entrar em contato com a sua porção divina,  com a divindade que é você. Meditar é elevar o pensamento ao alto, é se aproximar dos Deuses, ou até mesmo estar unida à eles. Isso vai depender da qualidade de pensamentos que permeiam sua mente”.

E continua, “Agora tenho que ir. Obrigado por aquela flor que ofertou a meus pés e... toda vez que encontrares na floresta, uma pedra branca, tal qual a minha lua, sinta-se presenteada por um Deus”.

Assim o trishula retornou às mãos de seu dono, Shiva meditou por meses segurando seu trishula numa bela postura guerreira e a garota... passou a meditar todos os dias, vivenciando sua porção divina e aliviando a tensão de sua mente. Ainda há quem de vez em quando, equivocadamente, coloque uma oferenda na porta de sua casa, mas imediatamente ela abre a porta e diz: “Oferte a você mesmo, à porção divina que habita dentro de você !! “

Cintia Brandão (Autora do Cíntia Purana)

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